domingo, 25 de agosto de 2013

O Elemento Tizora



Na última quarta-feira eu decidi assistir Círculo de Fogo, o novo filme do Guillermo del Toro. 

A título de informação, ele é um dos meus diretores preferidos.

Apesar de ser inverno, esse dia estava particularmente quente. Nesse dia tudo, ou quase tudo, deu errado.

Eu passei a manhã toda me perguntando se ia ou não assistir o tal do filme. Decidi que sim e depois decidi que não, e assim foi umas quantas vezes.

Talvez a causa de grande parte dos meus problemas seja o meu costume de pensar demais. 

Fui amaldiçoado com senso crítico e raciocínio acima da média. Minha cabeça é maior que a da maioria das pessoas, inclusive. Esse é o meu calvário.

O que importa é que no final eu decidi ir.

Caminhei lentamente até a sala de cinema mais próxima da minha casa, que fica no terceiro andar de um shopping. Eu estava adiantado. 

Isso geralmente é um bom sinal.

Cheguei lá 13:20, mais ou menos. A sessão era as 15:15. Nunca mais vou me esquecer disso.

Essas duas horas pareceram vinte. Eu não havia trazido nada pra ler, não havia nada de interessante pra olhar, eu não tinha ninguém pra conversar, e estava cercado por imbecis.

Você não consegue o significado da palavra “imbecil” até entrar naquele shopping. Adolescentes feios de nascença, outros feios por opção. Outros perturbadoramente bonitos. Todos imbecis.

Sozinho, no meio de um milhão, como diz Jack White.

Faltavam uns dez minutos pras 15 horas e eu subi até o terceiro andar e a funcionária do cinema, uma jovem de no máximo 20 anos consideravelmente bonita, disse que a sala estava fechada e só abriria uns dez minutos antes da sessão começar.

Eu li no ingresso “sala 4”.

Virei as costas e desci no segundo andar, comprei um McFlurry de Mini Bis, que me custou dolorosos R$ 6,50.

Voltei lá em cima as 15:05 e um outro funcionário, dessa vez um cara de uns 20 e poucos anos com o rosto cheio de cicatrizes de acne adolescente, me disse que a sala já estava aberta.

“É sala 4, quarta porta à direita”.

Entrando na sala fiquei imensamente feliz ao ver que ela estava quase vazia. Havia um casal de namorados sentado em uma das fileiras do alto, e mais ninguém.

Ao me aproximar do casal percebi como eles eram jovens. Não mais que 15 anos. Quase crianças. Isso me deixou meio chocado, e eu pensei na possibilidade de eles serem apenas amigos, ou então primos ou irmãos. Então eu pensei na possibilidade deles serem primos ou irmãos e namorados, mas isso era ainda mais estranho e eu tentei pensar em outra coisa.

Uma música saía dos auto-falantes, e eu só me lembro que ela dizia “só o silêncio” umas quantas vezes e então falava sobre concreto e cimento. 

Então uma voz disse “você está ouvindo a rádio Cinépolis Vigilante”.

Eu queria ver robôs gigantes socando monstros, não ouvir a rádio Cinépolis Vigilante.

Eram 15:20, meu McFlurry estava pela metade e a sessão não havia começado.

Então, entrou mais gente na sala. 

Era o tipo de pessoa que eu chamo de “gurizada medonha”; meninas gordas e meninos com cara de bandido, bonés de aba reta e camisetas de super heróis que eles não conhecem direito. 

E aquilo tudo me incomodou muito. Eles eram ruidosos demais.

E então entrou um pai com uma criança. E eu me perguntei que tipo de imbecil leva uma criança pequena pra assistir um filme legendado. 

E então entrou mais gurizada medonha. Quatro rapazes adolescentes, com bonés de aba reta e sacolas nas mãos. 

Eles sentaram do meu lado direito.

Das sacolas tiraram embalagens de salgadinho, pacotes de bolacha recheada e garrafas de refrigerante.

Eles eram mais ruidosos que todos os outros juntos.

Aquilo me deixou extremamente irritado e especialmente assustado. Aquela sessão tinha tudo pra ser um inferno.

E entrou mais gurizada medonha e mais, e mais, e mais. Meninas gordas rindo alto, meninas magras rindo alto, caras que falavam alto e riam de tudo.

Eu estava com medo. Mas acima de tudo, eu estava confuso. 

Porque diabos toda aquela gente resolveu assistir um filme legendado sobre robôs gigantes cheio de referências a animes e tokusatsus enquanto estavam sendo exibidos, nas salas ao lado, filmes mais condizentes com a aparente condição intelectual daquele povo?

Mas eu não tive muito tempo pra pensar porque as luzes abrandaram e a tela acendeu. Começaram os trailers.

Primeiro O Hobbit, depois Thor. Dois filmes com elfos, eu pensei. 

Ao meu redor, todos falavam como se estivesse em casa assistindo o Jornal Nacional.

Os elfos podiam ser um presságio. Um aviso. Ou não.

Depois veio o trailer de Instrumentos Mortais, um filme juvenil que parece ser muito ruim.

Depois Ender’s Game, com o Asa Butterfield e o Ben Kingsley. O tipo de filme que apesar de bem produzido e tal, não me chama a atenção.

Ao meu redor eu ouvia papel alumínio sendo amassado, garrafas sendo abertas, pessoas comentando tudo o que viam na tela e crianças reclamando. 

O meu celular dizia que eram 15:35.

Bem vindo ao inferno, disse minha consciência, bem baixinho.

E então as luzes se apagaram por completo e o filme começou.

Ouvi um amigo dizer que a cena inicial do filme era muito boa. E a cena que apareceu de fato era boa, umas lulas e medusas em close-up que iam se desfazendo na água. 

“Esse deve ser o Círculo de Fogo do Pacífico, é daí que vão sair os monstros”, eu pensei.

E então eu ouvi uma voz, uma voz que eu nunca vou esquecer. 

Tudo o que eu queria ouvir era uma voz em inglês ou japonês dizendo algo marcante que me lembrasse Evangelion ou Power Rangers.

Acho que mesmo depois que eu morrer essa voz vai continuar viva em algum buraco no meu cérebro e um dia ela vai conseguir escapar e vai assombrar todo mundo de noite.

A voz era em bom e velho português brasileiro. 

“Para humanos isso pode ser impossível. Mas não para mim”.

Eu praguejei alto. A voz continuou falando, alheia a minha reação.

Tudo fazia sentido agora.

“Eu sou um filho do Olimpo. Eu sou Percy Jackson”.

Eu disse mais um palavrão, do qual eu não me recordo agora.

E eu levantei da minha cadeira, passei pelas cadeiras vazias à minha esquerda e desci as escadas correndo. 

Depois que as luzes do cinema se apagam tudo fica muito escuro. Isso é muito bom, a não ser que você esteja em fuga de Percy Jackson e o Mar de Monstros e de todos os adolescentes ruidosos e sem personalidade atrás de você.

Saí da escuridão da sala e adentrei a escuridão do corredor. Eu sentia raiva. Raiva de mim mesmo por ser um imbecil.

Saí até a claridade do exterior e me vi na entrada no cinema, onde eu havia conversado com o rapaz do rosto machucado, e antes dele, com a moça meio bonita. O posto deles estava vago. 

Corri feito um louco e entrei no corredor principal com o ingresso na mão.

“Sala 4”, ele dizia.

Havia a sala 3, onde na porta figurava um cartaz meio tosco do tal Percy Jackson, e na porta da sala 4 estava o cartaz de Círculo de Fogo, com um robô gigante no meio do mar.

Idiota. Otário. Imbecil.

Eu ia entrando na sala, a certa dessa vez, quando alguém gritou.

Eu olhei pra trás e lá estava a moça meio bonita me dizendo que eu não podia entrar, tinha que ter o ingresso.

E eu disse que podia sim, eu tinha o ingresso, eu tinha entrado na sala errada, eu era um imbecil e ela era relativa e confortavelmente bonita, e isso era muito bom. 

Ela olhou pro meu ingresso e disse que era na sala 4, que eu podia entrar, que eu era uma pessoa maravilhosa, que ela sonhava comigo desde que era uma criança , que ela me amava e então ela pegou na minha mão.

Eu me desvencilhei dela e disse que não, eu tinha que assistir esse filme, quem sabe outro dia.

Ela começou a chorar, gritar e bater os punhos no rosto, tudo ao mesmo tempo.

Eu falei sim, sim, e corri pra dentro da sala.


Eu costumo dizer que o gosto de uma bebida depende do estado do copo em que você bebeu.

Aplicando isso a assistir um filme, o copo inclui o estado emocional do espectador, o ambiente em que ele se encontra e as expectativas que ele tem em relação ao filme.

Meu copo estava sujo, bagunçado e confuso.

Eu estava suado, nervoso, triste e revoltado, tudo ao mesmo tempo.

Eu ainda não sei quanto do filme eu perdi, mas acredito que tenha sido uma quantia considerável.

Só sei dizer que se você for assistir Círculo de Fogo nessa semana no Cinépolis Caxias do Sul na sessão das 15:15 ou das 18:15 lembre-se que o filme está sendo exibido na sala 4.

E mande minhas lembranças a moça meio bonita, se ela ainda estiver lá.

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